segunda-feira, 23 de maio de 2011

Nestor







Ela quase nunca trazia Nestor. O cahorro Nestor. Em suas visitas nas folgas verspetinas ela sempre trazia Cintilante , a gata. Mas geralmente gatas são chatas, ariscas. E ele quase sempre chegava depois de uns tragos de cana. Aperitivos num bar na rua do hospício. E depois de uns tragos gatas chatas são sempre desprezíveis. Eram jovens, em seus pra lá de 25 anos que não os livraram das amarguras da vida. Cachaça na boa vista, o brilho, músicas de Nelson Gonçalves trazendo aquele bom e velho ar nostálgico às tardes vagabundas. Mas nesse dia foi diferente. Ele abria a porta ao apê. Ela também tinha a chave. E lá estava. A princesa morena. A princesa prostituta. Cabelos negros, short curto, jeans, camiseta branca, pernas por cima do sofá, pernas por cima da mente. pernas, pernas, pernas...enroscadas como serpentes mágicas. Cabelos cobriam o rosto como um manto mágico negro. Lisos. Ela fazia as unhas e com um sorriso magistral me comprimentava. Mas hoje a visita era diferente, nada de gata. Hoje veio Nestor. Carlos não gostava de bichos. Mas aquele cão chamava a atenção. Peludo. Gordo. Parecia em um eterno estado de torpor. Parecia com aqueles cães que carregam um compartimento para água no pescoço. Ele estava lá, deitado curtindo um som. "Será que ele veio me salvar?" pensou Carlos. "Estou com sede e perdido, talvez seja a minha hora". Estava rolando pink floyd. On the turning away. Dar as costas...tudo que ele queria nesse mundo. Mundo cão. O cão Nestor, o mundo é meu, O mundo é de todo mundo o mundo é cão. Ficou lá apreciando aquela cena. Ela e nestor. Ela, nestor e eu. E Pink Floyd. Pink Floyd, trovões e eu. E a cana. Em alguns segundos repensei toda minha vida. A porta ainda estava aberta. A grade. Quer dizer, as grades. Havia também as grades, a gaiola, que prende nossos corações. Heart in a cage.

Foi nesse momento que aquele bicho. Bicho como qualquer um de nós se levantou, ela voltou a se encobrir com aquele manto mágico e voltou a fazer as unhas dos pés. Nestor se levantou. Em um movimento letárgico em slow moshion. Veio em minha direção. O rabo peludo dele mexia como para brisas em velocidade 01. Carlos paralisou. Camisa de botões entre aberta. Cachaça na mente. Visão deturpada. E veio aquele monte de pelos. Pink Floyd. Aquelas batidas de trovão pareciam guiar os passos de Nestor. Pelo marrom e branco. Nuvens de algodão. Fechou os olhos por frações de segundos. "Porra! estou voando!" já não sabia o que era aquilo tudo. Um sopro de vento mágico...ele estava lá. Nestor. Um cavalo grego alado com plumas nas patas...pêlo marrom e branco de algodão. "Caralho! Eu to voando!". Nestor com cara de cão sedoso me guiava. Ninfas voando por todos os lados. Arpas. Arpejos. Solos de guiarra. Eram deusas. Ninfetas negras, braquinhas, louras, ruivas, morenas...todas ali num céu azul da porra. Ele fechava mais uma vez os olhos dentro da própria fechada de olhos que tinha dado antes. Estava tudo ali. Toda a sua vida num céu de cores psicodélicas, nuvens, o pêlo de Nestor.. afundava neles. Afundava em pensamentos. "Toda minha vida!" pensava. Já não sabia se pensava ou não. Nestor, grande monstro magnifico de pêlos, com braços erguidos esperando por mim. Nos abraçamos e voamos por toda a imensidão. O mais etéreo possivel. Ele cantou pra mim. Voamos cantando. Passamos uma eternidade. "Toda minha vida". Naquele momento deu as costas para todas as mazelas do mundo. E acreditem, por um instante. As mazelas também esqueceram dele. Carlos e Nestor. Dois seres desse munco cão. Dançando em nuvens psicodélicas coloridas. Dançavam no algodão da vida moderna. Esqueceram a crocodilagem. Homem e cão. Já não sabiam quem era quem. Nestor cantando músicas de David Gilmour. E ele, pobre homem moderno, moderno e mediocre. Ali contemplando aquela sessão de loucura etérea, ébria transcendental. Os olhos inchados, a mente adormecida. E os dois voando. Trovões. As ninfas se aproximaram dançando sensualmente por cima de dele...deitados nas nuvens de Nestor. Ninfas, ninfas, ninfas, começaram a me surgir...com movimentos sensuais...."Caralho!" ele pensou e se deixou levar pela excitação. Excitação dos deuses até que começaram a desaparecer uma a uma com beijos avassaladores. Até restar uma. Uma linda deusa morena. Estava ali olhando para ele em cima das nuvens. Sorriu novamente magistralmente, Iluminou o meu dia e perguntou.: "Porra vai ficar o dia todo ai olhado pra mim?, Nestor vem pra cá, chega nenem"! Nestor saiu dos meus pés e voltou torpe para os pés dela. Que virou o rosto e continuou a fazer as unhas dos pés.

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